quarta-feira, 8 de julho de 2009

Quem você pensa que é?

Por muitos anos estudei, em teoria e prática, alguns traços do que nos define. É engraçado usarmos a palavra definir, que significa traçar os limites de algo para que ele não se confunda com outro. É saber onde terminamos. Demarcar uma linha da qual não passaremos. É colocar um fim. Eu poderia dizer que definir o eu é impossível, mas o eu é apenas uma parte do que somos.

A busca por uma identidade.

Quem sou eu? A eterna pergunta.

Minha resposta resultou na inspíração para o livro Ônix. E, na a busca por minha resposta, estudei, especulei e testei teorias, minhas e de outros, na prática, vários anos atrás. No primeiro semestre de 2003, para ser mais exato. Um teste prático que viria s ser útil de várias formas.

Testei a tolerância humana, minha e dos outros, ao mudar padrões estéticos e comportamentais. Tudo de forma muito pacífica. Foi incrível, porém, o resultado. Era visível o desconforto causado nos outros. A preocupação em entender, enquadrar, o que se passava. Mas, não havia muito parâmetro. Isso era, para a maioria, desconcertante.

O teste? Fiz minhas roupas que seguiam o mesmo modelo: batas longas, sem mangas, abertas dos lados, amarradas por uma faixa na cintura. Em cada bata pintei ilustrações criada por mim mesmo, todas surreais. Usava estas batas por cima de uma camisa social, comum, de manga longa. Fora isso, fiz várias botas de pano com cordais trançados por cima. As calças eram brancas e ou pretas, assim como as camisas. As cores eu deixava para as batas e botas. Usei isso por três meses, aonde quer que eu fosse - trabalho, festas, encontros de amigos, etc.

Inevitavelmente chamava atenção de todos. Meu comportamento, em si, não mudou. Talvez eu tenha me esforçado para ser ainda mais gentil.

Resultado: Algumas pessoas ficavam visivelmente irritadas. Outras apenas debochavam. Haviam aqueles que, por raiva, debochavam. Poucos eram  indirentes. Alguns elogiavam, pois as imagens eram bastante interessantes, mas, num quadro geral, a maioria se sentia incomodada, por um simples fato: não era comum. Com isso, os fazia pensar: "Quem é esse cara?". 

Era a pergunta que eu mesmo me fazia. 

No fundo, ninguém está bem certo do quem realmente é. E, qualquer um que evidencie isso, acionando qualquer reflexão, quando o mais simples é não questionar, seguir o fluxo, mesmo que ele não faça sentido algum, às vezes, não será alguém bem vindo. Não facilmente.

Após este profundo estudo, vislumbrei uma trama inteira de alguém que buscava sua verdade através da verdade dos outros. O livro Ônix nasceu desta brincadeira de partir de um tema "pirata", em vários sentidos, e mostrar como algo inteiramente novo, original, pode nascer disso.

É comum, muito comum, alguém olhar para mim, nos dias de hoje, e pensar que eu penso que sou o pirata mais famoso da atualidade: Jack Sparrow. Simplesmente por eu estar sempre com uma bandana preta, comum, e usar cavanhaque. Quando alguém chega a me chamar de Jack Sparrow, tento, pacientemente responder: "Sou apenas uma versão pirata". É bem comum. E é bem verdade. Sei cada elemento de cada personagem com os quais me identifico e nos quais me inspiro. Este pirata do Caribe em questão, é um deles, não único, apenas o mais evidente. É curioso, porém, pensar que algumas destas pessoas que provavelmente pensam que tento ser uma cópia, acreditam que são originais. Então, outro dia, pensei que eles cometem este erro, de pensar que tento ser uma cópia, pois não sabem que eu sei que não tento ser. Eu sou. Em meu íntimo sei disso. E, não me envergonho de revelar, percebi que posso ter cometido um erro ao pensar que as pessoas que me definem como um tentativa de cópia, se acham originais. Talvez não. Talvez em seus íntimos elas saibam: todos somos cópia.

Como não perceber? Basta parar e pensar um pouquinho... Ok, muita gente não deve perceber, então. Mas, as evidências são muitas.

Vamos começar pelo DNA. Sim, somos cópias de nossos pais. A variação é a mistura de dois, que também são cópias. Embora em alguns caso os genes de um deles se tornam tão superiores aos do outro que somos muito parecidos com apenas um. Somos, então, fisicamente, cópias.

Nosso caráter, vem em seguida, como algo subjetivo e não físico e, por isso, mais difícil de ser cópia? Não. Caráter, etimologicamente, significa, inclusive, "gravar" e é a mais pura verdade. Gravamos o que devemos e não devemos fazer. Ou, ao menos, o que é "certo" ou "errado" em termos de relacionamento com os outros, com as leis da sociedade e até mesmo com nós mesmos. Isso foi determinado tempos atrás e é sustentado através da educação. Somos programados, desde cedo, por mais que detestemos admitir. E foi aí que percebi. Detestamos admitir que não somos originais. Este é o problema. Isso nos coloca em módulo de ataque, pois sempre atacamos o que nos ameaça. É como se perdêssemos nossa identidade, depois de tanto trabalho para construí-la. Então, no fundo, creio, todos sabemos, só não queremos admitir. Mas, com um pouco de coragem, podemos recuperar este sentido de nós, individuais, de uma forma isenta de culpa.

Como?

Vamos recomeçar pela palavra identidade. A palavra já se define. Somos um conjunto de elementos com os quais nos "identificamos". Um pouco disso, um pouco daquilo e um tantão deste outro. Precisamos assumir uma personalidade neste mundo, para interagir. Ótimo, a palavra final: personalidade. Do latim: persona. Significa máscara. Precisamos de uma máscara.

É muito comum definirmos máscara como algo falso. Algo que não é, de fato, quem somos. E, de fato, não é. Somos aqueles que interpretam o personagem com o qual nos identificamos e, através dele, sentimos de verdade e é aí que a beleza de tudo se recupera. A máscara é uma parte de nós, criadas para possibilitar as vivências. As interpretações de papéis. São as vivências, as experiências, com as quais nos permitimos envolver, que nos adiciona conhecimento e compreensão para transcender as sombras e medos que nós mesmos criamos. São nossos desafios.

A máscara não é o que somos mas é parte de nós, por opção.

No livro Ônix, cito Oscar Wilde. Aqui, cito alguém menos conhecido, talvez, que também nos presenteia com uma pérola perspicaz: "A fantasia não é exatamente uma fuga da realidade. É um modo de a entender." (Lloyd Alexander).

A vida é um grande palco e TODOS estão interpretando. Me dei conta. Alguns tão bem que querem acreditar que não acreditam nisso... e muitos conseguem. Tento me lembrar disso sempre, para respeitar o ponto de vista até mesmo quem não respeita meu ponto de vista.

E, mesmo que ninguém seja original, cada um é único, e por mais parecidas que as máscaras sejam, uma mínima variação muda tudo. Singularidades.

Escrever não é diferente. Há quem tente negar e dizer que o que escreve não é clichê, uma variação de tudo que já existe. Eu não nego. Pelo contrário.

Escrever é como preparar um prato. Você mistura elementos, com maestria ou não, os tempera e os organiza de forma a despertarem as devidas sensações. Acredite, muita gente que come algo delicioso, come mais de uma vez. A sua história pode, sim, ser algo novo, no que diz respeito ao seu "toque".

Os arquétipos estão aí. Sempre estiveram. Quais personagens montaremos com eles, é com cada um de nós. Heróis? Vilões? Nem um nem outro e os dois ao mesmo tempo? São infinitas possibilidades. É um tabuleiro de xadrez. As peças podem ser as mesmas, mas os caminhos são todos únicos. Basta mudar um detalhe e muda todo o resto. Comece sempre com Gambito do Rei, e isso não tornará seu jogo igual, pois, há variantye, como do bispo, do cavalo e cada variante gera infinitas possibilidades com suas mensagemns únicas.

O livro Ônix é um relato sobre a busca de um identidade. Mostra a jornada de alguém que busca seu lugar no mundo. Tenta questionar os limites da fantasia e realidade. Sem medo de fazer o leitor pensar - e muito - em meio à diversão.

O personagem Ônix Pedra-Negra mergulha nesta premissa de forma extraordinária, ao assumir os vários traços de personalidades dos heróis da história antiga - para ele; contemporânea para nós -, lutando, literalmente, para fazer o que acredita que precisa fazer.

Considerando que todas as histórias do passado-esquecido, aconteceram de fato, ele transforma fantasia em realidade e, no ápice de seu caminho, ele transforma realidade em fantasia ao atravessar uma ponte que liga um possível futuro com um possível presente.


O livro foi escrito com o intuito de divertir, surpreender, emocionar e provocar. Mas escrever um livro que não seja, de certa forma, desconcertante, nunca foi a intenção... pois, refletir pode nos fazer compreender e compreensão amplia nossos limites e a definição de nós, pode, quem sabe um dia, vir a ser o infinito.


William Morais


2 comentários:

Sario Ferreira disse...

Reflexão fantástica, em sentidos literal e figurado... Relerei posteriormente pois os verdadeiros nuances da leitura de um testemunho deste calibre revela sua polpa para nós de maneira tímida. Willian, acredito que seria essencial se fosse incluída reflexão na edição de Dáverus. Grande abraço.

Unknown disse...

De fato um reflexão interessante, já pensei sobre algo semelhante e daria à humanidade o titulo de hipócrita, que inclusive é o grante mal desta, ao tentar definir um ser que tenta ser original como bizarro e simplesmente não aceitando o que o outro deseja ser, mesmo sabendo que essas pessoas "hipócritas" há muito desejariam ser o que não são de fato, tornando-se apenas um envoltório vazio de significado ao dezer-se comum. Pessoas estas que ao se interrogar sobre qual profissão desejaria seguir ou o que sonharia realizar apenas dizem que querem viver felizes... mas o que é ser feliz para essas pessoas?? tais palavras escondem a verdadeira realidade, realidade esta que se esconde na fachada da sociedade que repreende e recrimina atos deliberados de orginalidade e liberdade...
portanto eu o respeito Sr. Willian por quebrar paradigmas e por mostrar as pessoas que elas podem ser o que desejam ser sem se suprimirem pelo o que o universo hipócrita acha que acredita.